O novo ensino médio e a velha mania de culpar a Escola

Kheronn K. Machado
4 min readApr 8, 2022

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Photo by kyo azuma on Unsplash

Estamos no início do ano letivo de 2022 e principalmente para alunos, docentes e a comunidade escolar como um todo, uma transição na implantação do Novo Ensino Médio. A seguir, traço algumas impressões do que tenho visto e vivenciado até o momento na rede pública estadual do Paraná, onde sou professor.

A primeira observação é sem dúvida a forma como a imprensa em geral tem dado até um destaque considerável para esse momento. No entanto, tenho lido com certos parênteses, de até que ponto quem escreve do assunto, se de fato tem ido além do que é veiculado formalmente dos serviços de comunicação das próprias redes educacionais, que geralmente não passam de uma propaganda de governo, afastando da realidade na proposta do novo ensino médio e principalmente sua aplicação.

Entre os pontos, há muita empolgação com algo que em determinada medida, não passa de algo requentado ou quando existe um ineditismo na proposta, há um aproveitamento oportunista de certos termos (já falo de itinerário formativos e sua composição), mas antes quero tocar no assunto que considero mais nevrálgico, e que certamente terá impactos daqui a dois anos, quando todas as turmas do Ensino Médio estiverem no novo formato.

A logística para caber a carga horária que passou de 800 para 1000 horas anuais. Entre em façanhas, a inclusão da 6ª aula no período matutino. Seis aulas de 50 minutos e um intervalo entre a terceira e a quarta de apenas 10 minutos.

“Se alguém conseguir me explicar onde mais no mundo existe uma divisão bisonha dessa, e que levaram em consideração pelo menos a idade dos alunos em relação ao tempo x aprendizagem x foco, apenas para citar algumas.”

É no mínimo perverso esse formato.

Até poderiam dizer que existe uma forma alternativa de organização, colocando a 6ª aula em outro período, mas questões como salas disponíveis ou uso compartilhado do prédio com a rede municipal, fica impraticável esse arranjo.

O terceiro ponto está na organização curricular e na inclusão de itinerários formativos. Vou me ater mais especificamente as disciplinas que compõem o itinerário formativo obrigatório, com as disciplinas de Educação Financeira, Projeto de Vida e Pensamento Computacional.

As duas primeiras eram conteúdos que ganharam status e foram promovidas a componente curricular. E o que mudou na prática? Na rede estadual paranaense agora a direção é quem indica o professor com mais perfil.

Além disso, perderam a oportunidade do componente Projeto de Vida, que tem uma proposta muito interessante, ser conduzida de forma totalmente presencial. No ensino noturno então, sem chance. A metade das aulas ou algumas chegam ocorrer até integralmente no Google Classroom.

Isso seria um problema? Parece que não. Os professores estão nos sábados para tirar dúvidas dos alunos, se assim desejarem.

Pense o movimento que é no sábado … dos docentes.

Sejamos francos. A pandemia elevou digitalmente os professores em outro patamar. Já os discentes, não dá para dizer o mesmo!

Há alguns dias, na minha disciplina programação, solicitei os alunos para enviar um e-mail.

Como assim professor? Abre o Whats? Tem como fazer com meu celular? Onde está o @ no teclado?

Há um descompasso gigante aqui que não cabe nessa postagem, mas merece uma reflexão posterior.

Já o componente Pensamento Computacional (PC)..aiaiai. De verdade, pense na minha empolgação no final de 2021 quando descobri que existiria uma matéria tratando do tema. Trabalhando com formação de professores há mais de 8 anos, o tema não é particularmente novo e já tinha ministrado oficinas com iniciação na temática, mas de qualquer forma, o assunto é ainda pouco explorado na educação, e com poucas iniciativas de experimentação.

Porém, algo começou a incomodar quando no início do ano, todas as ementas já tinham uma definição, ou pelo menos uma prévia, mas PC ainda era um mistério. Quando tive contato pela primeira vez em um grupo de whats, tinha certeza que era fake…..não era.

O currículo era basicamente uma cópia da trilha de um curso de programação de uma empresa, que inclusive é a responsável pela condução da disciplina, o que chamo de uma

Terceirização Departamental Curricular.

Está bem claro que isso é um movimento que já trilhou caminhos em várias redes pelo país a fora.

A proposta tem seus méritos, mas a forma como está/foi colocada, sem discussão com a rede, sem uma formação prévia do docente, e sem levar em consideração a infraestrutura das escolas, minha decepção foi grande. Tentam compensar essas gaps com lives entre os turnos e formação apaga fogo do tipo:

Vamos aprender juntos !

Ainda sobre esse tópico, há outras duas questões que vou explorar em outros postagens. A terceirização dos cursos profissionalizantes e as plataformas.

Dois anos de pandemia irão escancarar obviedades de algo que já não ia bem antes. A aprendizagem dos alunos.

Em contraponto com as notícias propagandistas, há também aquelas que trazem na manchete que “a escola não está preparada para o novo ensino médio, mas a pergunta que deveria ser feita é:

Preparam a escola para o novo ensino médio?

Portanto, espero que justamente por estarmos em um momento de transição, falhas e ajustes de caminhos possam ser revistos, e que os responsáveis pelas políticas educacionais saibam absorver e lidar com críticas de quem está na ponta do processo.

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